Pular para o conteúdo principal

O olhar do outro

 


A moça na bicicleta invejou a mulher no conforto do carro. A mulher do carro invejou a liberdade da moça na bicicleta.

O adolescente no skate aspirou  o relógio do empresário ancião. O empresário ancião quis a juventude do skatista sem a preocupação com o tempo.

O menino com a pipa desejou o carro de controle remoto do garoto do parque. O garoto do parque desejou a habilidade de controlar o voo da pipa. 

Quando se cruzaram no shopping, a jovem simples cobiçou o vestido caro que a madame elegante usava. A madame elegante cobiçou o shortinho descolado no corpo da jovem simples.

O estagiário novato saiu cedo e partiu para a faculdade, cogitando o cargo do chefe engravatado. O chefe engravatado cogitou a oportunidade de o novato escolher um trabalho que não o obrigasse a passar o dia de gravata. 

O aluno aplicado quis ter o conhecimento do professor dedicado. O professor dedicado quis resgatar a inocência de quando era apenas um aluno aplicado e não tinha a obrigação de saber tudo.

Chegando do trabalho com a companheira, o homem esticou os olhos para o corpão da vizinha e achou que ela tinha um marido sortudo. A vizinha esticou os olhos para a mulher do homem, pensando que sortudo ele era por sua esposa bem-cuidada. 

E cada um, na imprecisão de um olhar descuidado, descuidou de si. Desbotou-se diante do espelho que não refletiu o outro, mas a sua própria imagem sem retoques.

E, assim, todos, desejando a grama do vizinho, voltaram frustrados para casa, abandonando no limbo, do outro lado do espelho, a pessoa que realmente importava.

Texto de Luciane Monteiro no lucianemonteiro.com

Foto de Elijah O'Donnell no Pexels

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Saí da Microsoft para Mudar o Mundo (o livro)

Se eu perguntasse para você hoje, se o dinheiro é a solução para os seus problemas, talvez você dissesse "sim" sem pensar muito. No entanto com um pouco mais de reflexão veremos que isso não é suficiente. Fazer pelo próximo é mais gratificante que o sucesso financeiro egoísta. Uma boa ilustração para isso é o livro que descrevo abaixo. Espero que sirva de inspiração para você mudar alguma coisa ao seu redor. Insatisfeito com o trabalho de alto executivo na Microsoft, o americano John Wood decidiu fazer um trekking pelo Nepal na esperança de que, ao subir bem alto no Himalaia, deixaria de ouvir o chefe gritando em seu ouvido. Deu certo. A viagem não apenas funcionou como um antídoto contra a exaustiva rotina de trabalho, como o fez descobrir a paixão e o objetivo maior de sua vida: ajudar crianças carentes a aprender a ler e escrever. "Saí da Microsoft para Mudar o Mundo" é ao mesmo tempo uma história de transformação pessoal e o relato de um empreendedor soci...

A Idade de Ser Feliz

Existe somente uma idade para a gente ser feliz somente uma época na vida de cada pessoa em que é possível sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-los a despeito de todas as dificuldades e obstáculos Uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver apaixonadamente e desfrutar tudo com toda intensidade sem medo nem culpa de sentir prazer Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida à nossa própria imagem e semelhança e sorrir e cantar e brincar e dançar e vestir-se com todas as cores e entregar-se a todos os amores experimentando a vida em todos os seus sabores sem preconceito ou pudor Tempo de entusiasmo e de coragem em que todo desafio é mais um convite à luta que a gente enfrenta com toda a disposição de tentar algo novo, de novo e de novo, e quantas vezes for preciso Essa idade, tão fugaz na vida da gente, chama-se presente, e tem apenas a duração do instante que passa ... ... doce pássaro do aqui e agora que quando s...

Ao que Viemos

Não tudo, mas alguma coisa depende da idade que temos agora e do jeito que temos de nos lembrarmos das idades que tivemos. Começamos por dizer "quando eu era novo" - mas nós nunca fomos simplesmente novos. Mais do que termos sido novos, fomos antes vários tipos de novo. Até a tabela mais automática que seguimos começa aos cinco anos, idade das primeiras memórias certas, e continua, roboticamente: 10, 15, 20, 25, 30, 35, 40, 45, 50, 55, 60, 65, 70 e adiante, tomando o lustro como o equivalente pessoal da década da História. Fala-se, com lassitude, de gerações. Nunca se fica a saber, mal ou bem, a qual pertencemos, mesmo que queiramos pertencer a alguma. Imagine-se a bandalheira correspondente se assim se falasse dos vinhos do Porto como sendo da geração dos anos 40, 50, 70 ou 90. Não importa o ano em que se nasce. A idade, tal como no vinho, é relativa. Algumas pessoas ganham em consumir-se cedo. As melhores exigem que se espere. Resta vermos as nossas idades não como um pe...