Alguns têm tudo para viver dias despreocupados. Mesmo descontando o desgaste dos impostos, a violência urbana, o emburrecimento da televisão e a falência dos processos políticos – o custo Brasil – a gente consegue ir levando. Dá para se adaptar? Vive-se na medida do impossível.
Vinga o estereótipo de que as ambições pequeno-burguesas prevaleceram sobre os ideais. O palanque do comício, virou palco do showmício, a sacristia cedeu lugar para o camarim e o laboratório se transformou em negócio. O aeroporto despacha milhões para as primeiras compras em Miami. O governo não permite que a indústria automobilística perca o embalo. Carrinho novo, com prestações a perder de vista, forma engarrafamentos também a perder de vista.
Por que tanto desassossego? A propaganda não promete que banco xis garante sorrisos até a terceira idade? Felicidade se atrela à relação direta da liberdade de escolha? De onde vem o sentimento trágico que sufoca o peito? Homens e mulheres aguardam seus quinze minutos de fama. No morro artificial – marketing puro – do otimismo, os sorrisos se plastificam. Esperança, transformada em frase de efeito, vira recurso piedoso de recriar o mundo de Poliana.
Dúvidas? Ninguém tem, em hipótese alguma. Certezas, sempre. Importa parecer inamovível. Fundamentalismo, outrora uma patologia religiosa, se estende à política, entre neo-ateus e na militância do terceiro setor. As redes sociais favorecem o recurso da farsa. O teclado virou trincheira. Mobilização, só nos dedos. Cresce a virulência dos que se escondem no anonimato de um fake.
A vida real continua intocada. Os processos de alienação são eficientes. A indústria da propaganda tem força. Poucos atentam para os danos do fast-food nas artérias da alma. Milhões morrem de fome no sul do Sudão, nas ilhas paupérrimas das Filipinas, no demonizado Afeganistão, enquanto multidões deliram com os octógonos – modernas arenas – onde gladiadores se destroem por dinheiro.
Faltam sonhos. Fernando Pessoa foi honesto ao anotar: meu passado foi só a vida mentida/ de um futuro Imaginado! A competição que o consumismo promove empurra para frente, mas cobra um preço alto. De que vale o homem ganhar o mundo inteiro e perder a alma? Nossa casa agora precisa de guarita, temos medo.
A constante prontidão, o encarar a vida como batalha, seria responsável por essa fadiga quase universal? O imperativo de vencer não passa de vampiro, com apetite por sangue venoso. Muitos jogam a toalha, simplesmente. Desistem de dar certo ou estar certos e optam pelo cinismo. Com as bandeiras dobradas, seguem pelos corredores dos shoppings em busca do que nem sabem nomear. Passeiam sem fazer questão de imaginar o mundo que deixarão para os netos.
Abatidos, perdem coragem e medo.
Conformados, caminham feito zumbis.
Disformes, descem a ladeira dos anos.
Conformados, caminham feito zumbis.
Disformes, descem a ladeira dos anos.
Espalha-se por todos os lados a morbidez dos vencidos. Tantos acordam antes da madrugada clarear, baixam persianas e recusam a visita do sol. Ligam o computador, acreditam ter amigos e se desacostumam com o calor da pele. Algo está errado quando a melhor companhia for o cursor piscando numa tela.
De tudo, resta uma verdade que pode parecer bobeira: a vida é preciosa demais para se perder. Temos que fazer alguma coisa antes que seja tarde demais.
Ricardo Gondim
Comentários
Postar um comentário